Mauro Cid deixa a PF após depoimento sobre suspeita de tentar obter aporte português
Ex-ministro Gilson Machado, que teria tentado intermediar obtenção do documento, foi preso por obstrução de Justiça
O ex-ajudante de ordens Mauro Cid deixou a sede da Polícia Federal nesta sexta-feira, pouco antes de 14h30, após prestar depoimento por cerca de 3h30 na investigação que apura a tentativa de obter aporte que facilitaria saída do país.
O documento, segundo a investigação, seria obtido por intermédio do ex-ministro Gilson Machado, que foi preso. Cid também foi alvo de um mandado de busca e apreensão nesta manhã e não chegou a ser detido. O cumprimento do mandado foi acompanhado pela Polícia do Exército.
Cid também seria ouvido sobre mensagens publicadas pela Revista Veja. De acordo com a publicação, o tenente-coronel usou um perfil no Instagram para se comunicar com um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro sobre o conteúdo de sua delação premiada. Quando foi ouvido no STF, Cid negou que tenha usado o perfil citado.
Caso do aporte
A PF quer saber se Machado atuou para facilitar uma possível saída de Cid do país. Ao GLOBO, o ex-ministro itiu ter procurado o Consulado de Portugal em Recife, em maio deste ano, por telefone, mas alegou que sua intenção era tratar de uma questão familiar.
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A medida foi interpretada pela PF como uma possível tentativa de atrapalhar o andamento da ação penal da trama golpista, já que Cid é um dos réus. A Procuradoria-Geral da República (PGR) concordou com a investigação sobre o caso.
A PF reuniu indícios de que Gilson procurou o consulado em Recife, onde mora, para conseguir o aporte de Cid, mas não teve sucesso. Há a suspeita, contudo, de que ele poderia procurar outras embaixadas ou consulados com o mesmo objetivo, para que o tenente-coronel deixe o país.
A PF também ressaltou que em janeiro de 2023, antes de ser preso pela primeira vez, procurou um serviço de assessoria para a obtenção da cidadania portuguesa.
Procurado na quarta-feira, Machado negou que tenha procurado o consulado em busca de um benefício para Cid.
"Estou surpreso. Nunca fui atrás de nada a respeito de Mauro Cid. Tratei do aporte para o meu pai", afirmou o ex-ministro
A PGR afirma que a atitude pode configurar obstrução de investigação da trama golpista e de outras apurações em curso, além de favorecimento pessoal. A PGR considera, no entanto, que é necessário aprofundar a apuração.
De acordo com a Procuradoria, as informações reunidas pela PF apontam "elementos sugestivos" de uma ação de Machado para "obstruir a instrução da Ação Penal n. 2.688/DF e das demais investigações que seguem em curso, possivelmente para viabilizar a evasão do país do réu MAURO CESAR BARBOSA CID, com o objetivo de se furtar à aplicação da lei penal, tendo em vista a proximidade do encerramento da instrução processual."
O trecho faz referência ao número da ação penal da trama golpista e a outras apurações em andamento, como a das joias e a da suposta existência de uma estrutura paralela na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro.
Mauro Cid afirmou, ao deixar o STF no início da tarde da terça, que a informação era "novidade" para ele e que não houve pedido de aporte.
Seu advogado, Cezar Bitencourt, disse que ele não teria "interesse" em deixar o Brasil:
"Não, absolutamente nada. Não tinha interesse nenhum em sair do país".
Gilson foi ministro do Turismo durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e continua próximo do ex-presidente. No ano ado, concorreu à prefeitura de Recife pelo PL, mas ficou em segundo lugar.
Recentemente, ele iniciou uma campanha de arrecadação de recursos para Bolsonaro. Em depoimento à PF na semana ada, o ex-presidente afirmou que a campanha foi feita sem seu conhecimento e que Machado arrecadou R$ 1 milhão.
Caso das mensagens
Uma reportagem da revista VEJA publicada na quinta-feira mostrou mensagens atribuídas a Mauro Cid. Os diálogos teriam sido feitos por meio de um perfil chamado "@gabrielar702" com uma pessoa do círculo próximo do Bolsonaro entre janeiro e março de 2024.
Nas mensagens, o perfil aparece criticando os delegados da Polícia Federal e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes pela condução do inquérito sobre a trama golpista.
Em relação a Moraes, o usuário diz que o ministro já teria a narrativa pronta antes de a investigação ser concluída. "Ele já deve ter pronto a ordem de prisão do PR (presidente Bolsonaro). Não precisa de prova. Só de narrativas".
Em outro momento, ele afirma que os investigadores "queriam colocar palavras na boca" dele, e dá detalhes sobre as etapas da sua colaboração premiada.
"Várias vezes eles queriam colocar palavras na minha boca... E eu pedia para trocar. Foram três dias seguidos. Um deles foi naquela grande depoimento sobre as joias. Acho que foram 5 anexos", diz a mensagem.
O teor dos diálogos é similar ao dos áudios vazados em março do ano ado, que levaram Cid a ser preso novamente por quebrar a regra de manter a delação em sigilo.
O perfil atribuído a Cid também faz comentários contra o Supremo - "o STF está todo comprometido" - e prevê que a situação só "pode mudar" com uma vitória eleitoral do presidente Donald Trump nos Estado Unidos. "E o Brasil começar a ter sanções.... igual Nicarágua e Venezuela".
O perfil "@gabrielar702" foi citado pelo advogado Celso Vilardi, que representa Jair Bolsonaro, durante o interrogatório de Cid ocorrido na última segunda-feira, na Primeira Turma do STF.
Na sessão, o defensor perguntou ao tenente-coronel se ele havia falado da delação por meio de um perfil no Instagram que "não está no nome dele". Cid respondeu que "não", mas Vilardi insistiu na questão: “Conhece um perfil chamado @gabrielar702?”. Nesse momento, o tenente-coronel respondeu de forma hesitante: — Esse perfil, eu não sei se é da minha esposa, mas Gabriela é o nome da minha esposa — disse ele.
Antes, o tenente-coronel havia negado ter conversado com jornalistas ou pessoas investigadas sobre a sua delação, argumentando que todos os seus celulares e computadores haviam sido apreendidos pela Polícia Federal e "revirados de ponta cabeça".
Ao fechar um acordo de delação premiada, o Cid firmou o compromisso de dizer a verdade e não omitir nenhuma informação relacionada à investigação, conforme a legislação. Se essa cláusula for quebrada, Cid pode perder os benefícios penais oriundos da delação.